VIVE MELHOR QUEM SAMBA !!!

"Eu digo e até posso afirmar: vive melhor quem samba" (Candeia)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Um parto no meio da rua (escrito por Melina)

Hoje vi uma jovem, muito jovem moradora de rua tendo seu bebê na calçada.
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Quando ela iniciou o seu trabalho de parto, na madrugada anterior, foi uma das noites mais frias que já vivenciei desde que moro aqui no Rio de Janeiro, ainda que dentro do meu apartamento, munida de pijama de flanela, edredom e cobertor. O dia de hoje também amanheceu um gelo e ela teve o bebê sozinha no meio da rua fria.
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Fria de temperatura e fria de gentilezas. Ela pediu ajuda a muitos transeuntes, nenhum dos abordados parou para olhar para a ela sequer. Seguiam seus caminhos com os relógios que correm urgentes, com a pressa que nos é própria. Estamos sempre sendo “obrigados” a correr, a só olhar para nós mesmos e não conseguimos enxergar um palmo diante dos nossos interesses.
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Ela era jovem, pedia ajuda e paria ali no meio da rua e no frio. E eu não fiz nada, não olhei em seus olhos, não apertei sua mão. Quando me aproximei, vi a cabeça daquela criança branca coroando no corpo negro de sua mãe. Estava muito frio e a criança pálida sequer chorou. Parecia morta. O Corpo de Bombeiros chegou para finalizar os procedimentos do parto de improviso. Diante de uns olhares curiosos e outros indiferentes, o cordão umbilical foi cortado, ela colocada numa maca, o bebê enrolado no cobertor usado por ela na noite passada e eles seguiram juntos seus caminhos e eu segui o meu.
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Aquele conjunto de cenas não me saiu da cabeça durante todo o dia e o meu corpo até agora sente os reflexos daquela hora. Onde vamos parar com a violência das nossas indiferenças? Até quando o outro vai ser apenas mais um? Quando vamos aprender a nos colocarmos no lugar do outro e fazer a este o que gostaríamos que nos fosse feito?
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Essas foram as perguntas que me fiz ininterruptamente.
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Não consegui me responder.
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Jovem e pariu numa calçada da Zona Sul do Rio de Janeiro.
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Ela não sabe que tem direito a um pré-natal e a uma maternidade? Ou ela pensa que quem dorme nas calçadas sob o olhar desatento e indiferente de cada um de nós não tem direitos? Nunca saberei.
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Uma amiga foi visitá-los. É um menino. No meio da tarde já havia mamado, apesar de a mãe ainda estar seqüelada, talvez uma droga consumida na noite para suportar o frio da madruga ao relento. Ela queria cinco reais, não sabia muito bem para quê, quem sabe o hábito de pedir... E ele ainda não tinha nome.
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Só imagino o quanto essa vida nova que chega, tem o seu início já marcado pelo alheamento e desamparo.
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E se nós, que nascemos em maternidades, fomos criados em locais fechados e protegidos, tivemos pais mais ou menos instruídos, cometemos lá os nossos absurdos: furamos filas, sonegamos impostos, damos um trocado ao guarda para nos livrar da multa, furamos os sinais vermelhos, enganamos no troco, jogamos o papel da bala no meio da rua, criticamos o amigo por trás, julgamos as pessoas pelas suas atitudes, deixamos que as atitudes alheias determinem as nossas; que absurdos não tem o direito de cometer quem nasce no meio da rua fria naquelas condições?
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Mais perguntas sem respostas.
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Espero que ele nos surpreenda com um futuro decente e valores melhores do que o que temos hoje, apesar de não dormirmos no sereno.
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