VIVE MELHOR QUEM SAMBA !!!

"Eu digo e até posso afirmar: vive melhor quem samba" (Candeia)

sexta-feira, 25 de março de 2005

Visão da Dra Cabrocha sobre as Emergências do Rio de Janeiro

Está sendo muito interessante acompanhar a briga entre o Governo Federal e o Municipal sobre o controle dos hospitais no Rio de Janeiro. Intervenção, discussão de quem é a culpa, liberação de verbas, acampamento militar para atendimento em regime de guerra... Do jeito que a mídia está valorizando, parece que a situação da saúde piorou de repente.

O que tenho percebido, ao longo desses anos de convívio com minha mãe médica e, mais de perto hoje, dentro da faculdade de medicina e nos hospitais por onde ando, é que a situação do acesso à saúde sempre esteve precária. Grande novidade, não é? Então não vou ficar repetindo o que todos já sabem, mas dar a minha visão como trabalhadora da linha de frente, ali no corpo a corpo com a população que procura atendimento na nossa rede pública.

Quando eu ainda era dos períodos mais baixos, sempre ouvi, sem me interessar muito, os debates sobre as questões das Emergências médicas. Acontece que todo acadêmico de Medicina é obrigado a ter em seu currículo 6 meses de atendimento na Emergência. Ora, se somos acadêmicos, temos que ira para um hospital para aprendermos, como estagiários. Certo?

Mas, o que acontece, na maioria dos grandes hospitais, é que os estudantes tornam-se mão-de-obra barata para o Governo. Barata? Não, a maioria é não-remunerada mesmo... Nem a café a gente tem direito. Vivemos em um regime de “exercício ilegal da medicina”, porque, na teoria, a gente não pode atender ninguém. Apenas assistir a um atendimento, acompanhar para aprender. Teoricamente, também, deveriam haver médicos professores a cuidar da gente. E, justamente por nada disso acontecer, é que sempre houve polêmica sobre emergência, principalmente com o pessoal dos períodos mais altos e engajados com o Centro Acadêmico.

O que acontece, no caso específico dos alunos do Fundão, por exemplo, é que não temos um setor de Emergência funcionante no nosso Hospital Clementino Fraga Filho. E ainda assim somos obrigados a “estagiar” 6 meses em hospitais que não estão preparados para receber os acadêmicos, mas trabalhadores que, na verdade, são quem tocam o hospital pra frente.A gente acaba se submetendo, por não ter outro jeito, a situações do tipo ficarmos sozinhos , isto é, sem o médico responsável na sala, atendendo, sem orientação, muitas vezes com o carimbo dele, tomando decisões(!!!) que não nos caberiam.

Sempre são muitos acadêmicos e poucos médicos, ou seja, a população fica na mão (literalmente) de acadêmicos, na maioria das vezes muito inexperientes. E quando tem médico, é um pessoal meio despreparado, que fazem condutas muito questionáveis e acabam nos “ensinando” errado. Por quê? Pois geralmente (mas nem sempre!) quem está a trabalhar no atendimento clínico de um hospital de emergência é o profissional que está aguardando o resultado de um concurso, que faz aquele plantão para aumentar a renda, que não conseguiu nada melhor... Ou seja, está ali de passagem, porque todos nos formamos clínicos e, teoricamente, estamos aptos. Contudo, ainda que alguém queira fazer Clínica Médica, não é o sonho da vida de nenhum médico ser eterno plantonista de um hospital desses. O que já não é observado nos setores de Pediatria e Cirurgia, por exemplo, onde os médicos são, respectivamente, Pediatras e Cirurgiões, por opção. São setores que funcionam.

A demanda dos hospitais é sempre muito grande, porque a população não foi educada para distinguir o que é um atendimento de emergência (politraumas, infarto agudo do miocárdio, AVC, picos de hipertensão arterial, febre alta, crise asmática, vômitos e diarréias, crise renal aguda, intoxicação, cortes que precisam de sutura, corpo estranho no ouvido, nariz ou garganta, etc...) e o que deve ser recebido no ambulatório (sarna, piolho, impetigo, dor de cabeça há um mês, doença sexualmente transmissível, insônia, drenagem de abscesso, verminose, busca de atestado médico, etc...). Tanto que em vésperas de feriado, principalmente com chuva, só aparecem os quadros sérios e o plantão fica tranqüilo.

Já no feriado mesmo, vem todo mundo! Todos que estão de folga e que não podem, nos outros dias, faltar ao trabalho para acordar cedo e ir ao Posto de Saúde próximo de sua casa e tentar pegar um número ou marcar para ser atendido dali a 3 meses. De certa forma,os pacientes não estão errados. Se o sistema, de fato, funcionasse, as filas das emergências não seriam tão grandes... Não teríamos que atender (pode parecer piada, mas aparece) unha encravada – e infectada- às 3h da manhã!

Por isso que soa mesmo como um clima de guerra, levando as forças armadas a intervir! Bonito! Mas até quando a Marinha vai ficar com a tenda armada no Campo de Santana? Sempre vão existir doentes! Sempre vai existir fila! O problema do interior dos hospitais é que tem que ser resolvido: falta de vagas; leitos ocupados com pacientes crônicos e abandonados pela família (e pela equipe de saúde); falta de medicamentos; falta de bons profissionais; falta de profissionais(!!!); falta de exames; falta de bons ambulatórios funcionando... E se você acha que Souza Aguiar e Miguel Couto já não são tão bons, imagine nos hospitais menores, como Rocha Maia e Paulino Werneck... Condições "submédicas"!

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou acordando agora do meu plantão... Com a cabeça latejando de tanta dor. E eu achando que seria tranqïla esta madrugada. Vários atropelamentos e mordeduras por cães (o que deu neles esta noite?). E esta sensação de que está tudo errado... Até na sala de sutura se faz atendimento ambulatorial... Lesões dermatológicas que complicaram com infecção secundária, diabetes evidentemente mal controlado, HAS... E uma enorme sensação de impotência! Na medida do possível tenho tentado fazer meu trabalho, mas... Coisa pra gente discutir cheia de cachaça nas idéias e ao som de um bom samba!!!