VIVE MELHOR QUEM SAMBA !!!

"Eu digo e até posso afirmar: vive melhor quem samba" (Candeia)

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Meus pacientes: gente humilde!

Gente humilde
(Garoto/Vinícius de Moraes/Chico Buarque - 1969)

Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar

Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar

"Gente humilde" que tantos já gravaram, está no DVD "Brasileirinho" de Maria Bethânia. Além das próprias letra e melodia desta canção e da belíssima interpretação dada por esta cantora

(abro parênteses para registrar o quanto fico emocionada com a capacidade vocal da Bethânia, sua expressão facial, seu jeito de, literalmente, "interpretar"... Que presença de palco! Que músicos! Que equipe de bons profissionais selecionados... Luz, cenário, produção, repertório, etc... Adorei o show, adorei o DVD. Gosto tanto desse mundo de música, de palco,... que não me satisfaço em ficar apenas assistindo. Que vontade de estar ali por trás, nos bastidores, participando... No fundo, no fundo, queria era poder ser a própria cantora, dona do espetáculo!!! Mas, desligando o botão dos devaneios, fecho os parênteses)

a mensagem da música muito me emociona. Esbarramos todos os dias com estas pessoas humildes por onde passamos. Apenas aqueles de sensibilidade aguçada e que não vivem só para seus umbigos são capazes de notá-los.

Bateu uma vontade de falar dos pacientes que aparecem em meu caminho. Gente muito simples mesmo! Uns mais orientados, outros menos... Internados depois de muito esperar por uma cirurgia ou tendo que viajar longas distâncias para estar ali no hospital para uma consulta. E como sofrem com a sala de (longa) espera, filas, falta de marcação de consultas ou exames, adiamentos, extravio de prontuários, falta de educação de alguns profissionais, precariedade de instalações, etc... Como se não bastasse, a idade avançada, o diagnóstico de doenças graves ou crônicas sem cura, a incapacidade de entender uma prescrição por analfabetismo ou oligofrenia, a dificuldade de ter dinheiro para comprar remédios e os tantos problemas domésticos, familiares, sócio-culturais...

Muitos querem apenas uma palavra de carinho, atenção e é com prazer que faço isso, deixando que falem, desabafem o quanto quiserem. Um gesto simples como esse faz com que um médico, mesmo sem tanta técnica, se torne um "grande doutor" aos olhos humildes. Já ouvi, várias vezes: "Depois que comecei a me tratar com esse médico, melhorei", sendo que a conduta foi a mesma... É a famigerada "relação médico-paciente". Outros distribuem exemplo de otimismo, paciência, resignação, determinação, amor pela vida, apesar de tantas adversidades. Além, é claro, dos presentinhos tão humildes quanto eles: panos de prato bordados, bolo, frutas da época e do quintal, chocolate, perfumes, sabonetes,...

Um dia, assim quando comecei a freqüentar o hospital, passando pelo corredor onde ficam as tantas cadeiras de espera do Ambulatório, vendo todo aquele povo, doente, humilde, com vestimentas que mostram sua origem na classe baixa em sua maioria, sem opção de estar em outro lugar para seu tratamento, percebi que, como médica, vou ver doença todos os dias de minha vida! Isso é meio chocante. Há profissões muitas onde se lida apenas com a alegria... Mas a Medicina lida com o sofrimento das pessoas, cabendo a mim, como sua representante, tentar devolver o bem-estar... É o que muitos professores disseram ao longo da faculdade:

"Curar às vezes,
aliviar muito freqüentemente
e confortar sempre."
(Oliver Holmes)
Por isso tenho tanta resistência ao conhecimento de ponta... Como me interessar por uma grande técnica nova de cirurgia cardíaca, um exame de última geração, um medicamento revolucionário, se a maioria da população simplesmente não vai ter acesso pelo preço alto, por serem a maioria das patologias de fácil resolução com medicamentos simples, mas, que apesar disso, não se consegue fazer com que o paciente, simplesmente, tome corretamente (preço, falta de entendimento, analfabetismo, tendência a auto-medicação, falta de adesão)?
É claro que sou a favor da pesquisa e das novas técnicas, para que haja progresso! Não vbamos parar no tempo. Tanto que a saúde já melhorou... A expectativa de vida é muito maior do que há 100 anos. Ainda bem que existe quem goste de se especializar, para atuar nos casos menos prevalentes. Mas, a maioria dos médicos que se forma deveria se voltar para a atenção básica à saúde, que é resolutiva em 80% dos casos e não com a tendência de especialização. O mundo precisa de mais generalistas. Com certeza sou uma deles!

Um comentário:

Marcus Lotfi disse...

É isso aí, Girassol! É isso aí! Um beijão do primo.